Medicina – nossas escolas estão doentes

0

Dias atrás uma revisão de 41 pesquisas publicada na edição on-line do Lancet rendeu surpresa e polêmica no Brasil. O estudo dá conta de que apenas 47% dos quadros de depressão são diagnosticados pelo clínico geral no atendimento primário e que há falso diagnóstico em 20% dos casos. A polêmica até tem justificativa, pois é fundamental que se debata o problema em busca de resultados melhores e de uma assistência médica eficaz. Porém, a surpresa é totalmente descabida, principalmente quando grande parte dos males do sistema de saúde no Brasil vem da própria sala de aula e é fruto da fragilidade e da incompetência da formação do médico. 

Hoje temos no país por volta de 175 escolas médicas ativas, além de outros 50 pedidos de autorização para funcionamento. A maioria não possui estrutura adequada, carece de hospital de ensino, apresenta falhas graves na área pedagógica e conta com equipes docentes desqualificadas. Aliás, diga-se de passagem, muitos dos que dão aula nessas escolas ainda deveriam estar estudando para aprender o B-A-BA da medicina.

É esse um dos principais motivos que nos leva a vivenciar situações calamitosas, como a atestada pelo levantamento do Lancet. Com formação insuficiente e inadequada, uma parcela expressiva dos clínicos no Brasil não sabe diagnosticar. E, portanto, cada vez fica maior o número de pacientes que sai do consultório com diagnóstico superficial: virose ou estresse.

O fato é que vários clínicos têm dificuldade até de diagnosticar gripe quando os sintomas apresentados pelo paciente são diferentes dos habituais. Soma-se a isso a falta de capacitação e o desprezo à relação médico-paciente. Infelizmente chegamos sem muito orgulho ao patamar atual da medicina no país: exames são realizados em excesso e há falta de humanismo. Além disso, esbarramos em uma situação bastante séria que é a tecnologia avançada à disposição de médicos com formação deficiente. Isso acarreta o tratamento do exame e não do doente, o que traz inúmeras complicações deletérias. Resultado: quando chega um paciente com gripe diferenciada, como a Influenza A H1N1, a resposta do sistema de saúde acaba sendo insuficiente e logo nos tornamos campeões mundiais em mortes.

O Brasil não comporta mais escolas médicas. Temos que dar um basta à abertura indiscriminada, além de lutar pela constante avaliação das escolas já em funcionamento. Também necessitamos da criação de um plano de carreira, cargos e vencimentos para fixar os médicos em regiões remotas e menos favorecidas.

Outro absurdo constante é o tratamento dos residentes como mão-de-obra barata nos hospitais e postos de saúde. Essa não pode ser a solução. Os burocratas e bacharéis em medicina precisam ter mais respeito com a prática médica e devem zelar pelo futuro dos novos médicos. Estamos cansados de ver em nosso país cargos públicos ocupados por pessoas incompetentes que tentam fazer prevalecer suas políticas equivocadas, o que só gera mais problemas ao sistema de saúde e à assistência aos cidadãos.

As políticas de saúde têm que ser traçadas por pessoas e equipes gabaritadas, que exerçam a medicina na plenitude e, de preferência, que também pertençam à academia. Cargos ocupados por incompetentes ou por tendenciosos políticos levam a alguns dos males que enfrentamos atualmente. Nossas escolas de medicina estão doentes e a formação dos médicos não é suficiente sequer para garantir um diagnóstico simples.

Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM)

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui